Ouvir os agentes que trabalham com os migrantes internacionais e os próprios migrantes para elaborar políticas públicas que melhor possam atendê-los em Corumbá, na fronteira Brasil-Bolívia, sem ferir os seus direitos. Este foi o papel da Audiência Pública “Migrantes Internacionais em Fronteira do MS: Políticas, Desafios e Informações”, com coordenação da Comissão de Direitos dos Imigrantes e Refugiados da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil.
Em uma audiência pública que começava a descambar para o
quadro de polarização que reproduz e busca amplificar o discurso de xenofobia
(aversão ao estrangeiro) no Brasil, a defensora pública da União, Daniele
Osório, gaúcha radicada em Campo Grande, foi voz vigorosa e combativa para
reforçar os direitos de ir e vir dos migrantes internacionais pela fronteira, e
de receber um atendimento humanizado, preconizado e garantido pela Constituição
brasileira.
O discurso rançoso nacionalista de que a presença do migrante
internacional – no momento bolivianos e venezuelanos em maior número – sufoca o
sistema de saúde brasileiro (SUS) e o já precarizado hospital público de
Corumbá ou que congestiona a fila de documentação e regularização da Polícia
Federal (PF) estava voltando a dominar os discursos e intervenções na Audiência
Pública realizada no auditório da unidade III do Campus Pantanal da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Para a direita nacionalista
patriota, migrante nunca é bem-vindo, em qualquer situação. “E os bolivianos
nunca estão presentes nessa ou em outras audiências para debater questões que
são de interesse deles”, clamou um dos representantes do poder público
constituído do MS. “A Bolívia só sabe cobrar”, acrescentou.
Para refrescar a memória e rebater qualquer tentativa de
levarem a Audiência Pública para o viés do discurso xenófobo, a defensora
pública da União Daniele Osório afirmou que temos de encarar a nossa realidade,
que temos como vizinho um país com população pobre e que vem buscar no Brasil
um ensino de melhor qualidade, atendimento médico e hospitalar com estrutura,
além daqueles que aqui procuram regularização documental para se fixar no
Brasil – e Corumbá é porta de entrada para São Paulo, não custa lembrar. “Se o
nosso vizinho fosse um país como o Canadá seria o contrário, não é mesmo, mas
não é”, comparou Osório. “E mesmo assim muita coisa mudou nessa relação de
fronteira, a economia mudou, e hoje bolivianos produzem renda e emprego na
fronteira, eu contei dez carros com placa da Bolívia no hotel onde fiquei”.
Segundo Osório, essas são as conclusões que deveriam ser
tiradas da Audiência Pública. De fato, os discursos repetitivos e reducionistas
– aqueles de que migrantes só atrapalham e vem tirar emprego de brasileiro -
acabam sempre esvaziando tentativas sadias de criar mecanismos de atendimento e
acolhimento.
Dados fornecidos ao Simted Corumbá pela gerente de Proteção
Social Especial da Secretaria de Assistência Social e Cidadania, Renata Papa, apontam
que, de janeiro e julho, foram atendidos na Casa do Migrante de Corumbá 815
migrantes internacionais (entre os quais 585 venezuelanos, 125 colombianos e 44
bolivianos, que receberam atendimento psicossocial ou foram inseridos em
articulação de rede).
Segundo Renata Papa, havia 244 milhões de migrantes
internacionais ao redor do mundo - quase a população do Brasil - em 2016, e
esse número deve ter quase que dobrado com a pandemia e a guerra na Ucrânia.
Dessa forma, é altamente nocivo olhar o migrante pelo viés do estrangeiro
invasor, porque eles fazem parte de uma dinâmica presente em todo o mundo
ocidental capitalista – e a fronteira Brasil-Bolívia em Corumbá é parte desse
contexto. Temos, isto sim, de estarmos melhor preparados para recebê-los –
tanto em estrutura como humanisticamente.
Padre vietnamita Tran Khac durante a Audiência |
“Para o migrante, pátria é a terra” – como diz um lema inscrito nas camisetas da Pastoral da Mobilidade, hoje dirigida em Corumbá pelo padre vietnamita Tran Dihn Khac.
Poucos ali conheciam Khac, que descreveu sua rotina na
Audiência Pública. Ele substitui o padre Marco Antonio, surpreendentemente transferido
para Manaus no momento em que fazia um trabalho brilhante de recepção aos
migrantes como coordenador da Pastoral da Mobilidade. Como seu antecessor, Khac
providencia alimentação, cuidados de saúde e alojamentos para migrantes que
chegam a Corumbá, com o apoio de voluntários da paróquia Nossa Senhora de
Fátima. É esse o trabalho em rede que poucos conseguem enxergar. Preferem, enquanto
isso, reclamar do “incômodo” provocado
pelo migrante venezuelano que pede doações ou emprego nas ruas de Corumbá.
Simted Corumbá/Assessoria de Imprensa
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