PRIMAVERA DE CHUMBO O que há por trás dos incêndios criminosos Uma brisa tímida bate à porta durante a madrugada para anunciar a chegada da Primavera neste 22 de setembro. Chegou mesmo? Não é o que parece. Céu de chumbo provocado por incêndios criminosos, qualidade do ar insalubre, termômetros batendo na casa dos 40 graus, sensação de 44, esta é a Corumbá deste começo de estação. O que chegou,
com certeza, foi a Operação Prometeu (uma alusão à divindade que roubou o fogo
de Zeus e o passou para a humanidade). Sete mandados de busca e viaturas da Polícia
Federal amanheceram nas primeiras horas de sexta, 20, nas ruas de Corumbá e
Ladário, batendo à porta das pessoas investigadas por apropriação e uso
criminoso de área da União para formação de fazenda e criação de gado. E por
crime ambiental por devastação de vasta área de floresta. Forjando documentos
falsos para legitimar a falcatrua. A PF comprovou
que na terra usurpada criavam 2100 cabeças de gado. E constatou que, desde
2020, uma grande área já vinha sendo degradada e queimada. Grilagem de terras
da União para a formação de fazendas e arrendamento de terras. É isso que
está por trás dos incêndios que devastam o Pantanal, agravando ainda mais as
consequências da pecuária extensiva e da plantação de soja nas nascentes do rio
Paraguai (plantação, aliás, que há muito tempo requer uma intervenção e
embargo). Cai assim a
máscara do desenvolvimento sustentável, usada como disfarce para esconder o
modelo econômico que privilegia o agronegócio, propulsor do veneno e da morte. A
máscara do modelo que permite o avanço de milicianos contra os indígenas, com
mortes em Douradina, Antônio João e outras áreas de resistência. A investigação
da Polícia Federal envolve famílias da alta sociedade corumbaense, empresários
e comerciantes, burgueses que se passam por bondosos empreendedores. Dizem que trazem
o progresso, quando na verdade expoliam os bens públicos. E que medidas
tomar para deter o avanço de grilagem e devastação que tornam o Pantanal refém
da criminalidade e uma bola de fogo, fumaça e cinzas? E que tornam esse modelo
de desenvolvimento de binômio boi-soja insustentável? Propomos um
modelo de produção agroecológica, com banimento de qualquer tipo de agrotóxico.
Apoiamos a agricultura familiar que siga os princípios da economia solidária e
do coletivismo. Queremos o fim aos latifúndios. Chega de discursos vazios e
desconexos, que falam em sustentabilidade quando ao mesmo tempo projetam exploração de petróleo na Amazônia. O trabalhador não pode ser manipulado pelo
Estado burguês. SIMTED CORUMBÁ/ASSESSORIA DE IMPRENSA
HÁ
40 ANOS, TIROS NA VOZ INDÍGENA DO BRASIL Rubens
Valente* Quatro décadas
depois, MPF trabalha para pedir à Justiça que Estado brasileiro |
|
Portanto, a preocupação em produzir uma lei menor em detrimento de uma lei maior é deveras desnecessário. Podemos observar que no Art. 17 – “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (BRASIL, 1990), - já está garantida a defesa desta criança e ou adolescente.
A obviedade da lei em proibir a exposição, no âmbito do ensino básico do Município de Corumbá e de qualquer outra instituição, a coreografias pornográficas, eróticas ou obscenas, que exponham crianças e adolescentes à erotização precoce é gritante e desnecessária, pois isso já está garantido no ECA, caros vereadores e vereadora. Sugiro a leitura e análise deste estatuto tão importante e criticado ultimamente pelo mandatário da nação e seguido por outros e outras revisionistas da história.
Dessa forma, se já há lei que garanta a dignidade da
criança e do adolescente, onde todos e todas devemos nos envolver por esse
cuidado, conforme cita o “Art. 18. É dever de
todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor” (BRASIL,1990). Porque então, não haver um engajamento no
cumprimento dos artigos do ECA, onde não só é garantido o cuidado com a
exposição sexual, mas aos direitos a uma educação digna, à alimentação e o
fortalecimento dos núcleos familiares, à assistência jurídica quando necessária,
a uma formação para o trabalho?
Que tal caros vereadores e
vereadora, não pensar em projetos de lei que estimulem o fortalecimento da
Fundação de Cultura do Pantanal, para ofertar com bolsas de estudo vagas nas
oficinas de dança e na Escola de Música Manoel Florêncio, aulas de instrumentos
musicais.
Não é lançando um projeto de
lei que já é subscrito em lei maior, que vossas senhorias irão contribuir para
que não haja uma “erotização precoce” das nossas crianças. Não é lançando um
lençol de dúvidas sobre nossas escolas de ensino básico e academias de dança,
que vocês irão afastar nossos infantes e adolescentes do perigo da
prostituição, pornografia e exploração sexual. Mas, com políticas públicas
afirmativas, onde se foque na diminuição da desigualdade social que de fato,
nos leva à vulnerabilidade. Podem acreditar, que nós professores e professoras,
membros das comunidades escolares, estamos preocupados com o risco de uma
erotização precoce e sabemos em qual lei nos apoiar quando este risco é evidente,
conforme o “Art. 75. Toda criança ou adolescente
terá acesso às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à
sua faixa etária” (BRASIL, 1990). Assim, quem descumpre este dever, incidi em
crime.
O
ECA é muito claro quanto vossa dita preocupação, caro corpo de legisladores
municipais “Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação,
cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que
respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. O respeito à sua
condição peculiar de criança e adolescente não permite que expressões sexuais
sejam de alguma maneira apresentadas em escolas e ou academias, de maneira a
provocar uma erotização precoce.
Mas,
o que podemos observar por trás dessa cortina de preocupação moral? Há uma
névoa em determinar que a cultura periférica é um elemento a ser banido das
escolas e outros espaços culturais, onde o ritmo funk é visto como o vilão que
atenta contra a moral da sociedade. Será que a discussão e compreensão dos
fenômenos promovidos pela indústria cultural não deveriam ser debatidos e
refletidos criticamente por nossos sistemas de ensino, comunidades escolares,
promotores de políticas públicas e legisladores?
Ajudem, portanto, a promover ações de políticas públicas realmente efetivas, que ocupem nossas crianças e adolescentes com atividades culturais, formativas e de entretenimento, visitem os bairros e vejam os espaços onde pode-se promover algo emancipador da juventude, vejam os campinhos de futebol, as praças, o abandono da juventude do campo e do Pantanal, sem possibilidade de acesso a bens culturais formativos e de entretenimento.
Corumbá é o berço da cultura no Mato Grosso do Sul. Ao invés de deitarem uma espada moral sobre os pescoços de quem ainda promove alguma arte, nos apoiem, nos financiem, nos incentivem, não busquem destruir o pouco de essência das manifestações culturais que ainda resistem em nosso município.
Nós educadores e educadoras, arte educadores, bailarinos e bailarinas, músicos e demais artistas não somos os “culpados” pelo que essa lei “tenta combater” e àqueles ou àquelas que o fizerem sejam enquadrados no ECA: “Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos” (BRASIL, 1990).
Fato é que há uma névoa sobre esse projeto de lei, onde fica subentendido o obscurantismo e a censura que já vigoraram em outras épocas e deve ser sempre rechaçada no Brasil. A régua moral que medirá as manifestações culturais sobre o que é ou não uma “dança criminosa” será segurada por quem? De qual forma? Com qual autoridade e metodologia? Tudo está muito nebuloso, conforme os tempos sombrios que vivemos nos últimos anos.
Finalizo apelando aos legisladores e à única vereadora de Corumbá, que revisem seus conceitos e preconceitos, que olhem para os problemas que de fato afligem nossas comunidades, para que assim possamos construir uma consciência crítica em nossas crianças e adolescentes, família, poder público e sociedade em geral.
(*) Professor de Arte da Rede pública de Ensino Municipal, Mestre em Música pela UDESC e Doutorando em Educação pela UFGD
A profissão que pretende remunerar com amor
Kelly Costa*
(*) Professora da rede municipal de Ensino e diretora do Simted
(**) Artigo publicado originalmente no Educação, Resistência e Luta - jornal impresso do Simted
Nenhum comentário:
Postar um comentário