terça-feira, 19 de março de 2024

Seminário Mulheres da Fronteira em Luta difunde ações de resistência e propõe novo olhar sobre a periferia


No Seminário e Sarau Mulheres da Fronteira em Luta, organizado dia 16 de março pelo Simted Corumbá, o ponto relevante foi roda de conversa formada por Amanda de Paula (Central Única das Favelas - CUFA), Ashjan Sadique Adi (secretária de Mulheres da Federação Árabe Palestina), Ednir de Paulo (diretora do Instituto da Mulher Negra), Kelly Costa (diretora de comunicação do Simted Corumbá), Leidiane Garcia (Mestra Cururueira e professora de viola de cocho) e pela artesã Catarina Guató, com mediação da professora Simone Benitez (vice-presidente do Simted Corumbá).

A banca de cultura contou com os livros de Marlene Mourão (Peninha), Luiz Taques, Sérgio Pereira e da Maria Preta Cartonera, e com os artesanatos de Catarina Guató. A apresentação musical ficou por conta da vocalista Karina Cabral e banda Trio Rio. E a cobertura fotográfica de Marcos Gonzaga, o Bolinha.

A professora e musicista Leidiane Garcia, mulher pioneira no ensino e prática da viola de cocho em Mato Grosso do Sul, abriu o evento apresentando-se ao lado de estudantes que formam o Grupo V.P.D.S. (Grupo Vocal, de Percussão e Dança Siriri), que completa dez anos de criação em 2024. “Hoje somos resistência feminina com a viola de cocho”, afirmou Leidiane, que em novembro de 2023 recebeu o título de Mestra Cururueira concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artística Nacional (IPHAN).

Ednir de Paulo, diretora do Instituto da Mulher Negra (IMNEGRA), alertou para a falta de atenção e pesquisas sobre as Quilombolas, a história negra e região periférica de Corumbá, não só da parte alta da cidade como da área do Pantanal, onde segundo ela o sistema educacional não recebe os cuidados necessários. “A região do Paiaguás está em estado de calamidade, com estrutura educacional e de saúde precárias, e esse caso já vem sendo acompanhado pelo Ministério Público Federal”, ressaltou Ednir.

Mulher indígena que neste começo de ano recebeu o título de doutora honoris causa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), por seu trabalho artesanal que contribui para preservar a cultura e a história da sua etnia, Catarina Guató relatou as dificuldades enfrentadas por uma mulher indígena artesã e sua resistência por meio do artesanato que abraçou como profissão. Ela produz e vende belíssimas peças feitas com o aguapé – a folha do camalote – que após seco e trançado se transformam em chapéus, bolsas, suportes de mesa.

A ativista Amanda de Paula, dirigente da Central Única das Favelas (CUFA), relatou sobre o trabalho de educação que o grupo de voluntárias realiza no entorno do lixão, levando semanalmente materiais de estudo e apoio escolar para crianças de famílias pobres, catadores e vendedores de resíduos recicláveis, que encontram dificuldades de acesso às escolas ou que precisam de reforço escolar. O grupo já conta com vinte voluntárias.

Falando em circuito online no telão, a ativista Ashjan Sadique Adi, secretária de Mulheres da Federação Árabe Palestina (FEPAL), traçou um panorama dos ataques do governo de Israel contra a faixa de Gaza, definindo a política israelense como um “sionismo colonial, racista e genocida” que promove o feminicídio e o infanticídio, e que precisa ser detida. Citou números: 8600 mulheres e 13550 crianças palestinas mortas até o momento.

A professora Kelly Costa, diretora de comunicação do Simted Corumbá, lembrou das suas origens periféricas, filha de pescador, ex-moradora do bairro Cervejaria e ex-aluna da rede pública de ensino, e propôs levar o debate Mulheres da Fronteira em Luta para a periferia. “Precisamos levar esse debate para as comunidades para que essas discussões possam atingir e conscientizar mais mulheres e não só apenas as que tem o privilégio de estar aqui”, destacou a professora, que tem o sociólogo Pierre Bourdieu como referência em sua crítica social. De acordo com Bourdieu, a sociedade ocidental capitalista é uma sociedade hierarquizada, organizada segundo uma divisão de poderes extremamente desigual, com mecanismos para a perpetuação desse modelo. Enfim, é o que todos, ou quase todos, querem combater.

VIOLA DE COCHO - A professora Leidiane Garcia e o Grupo V.P.D.S. utilizaram uma viola de cocho e um ganzá modelo Sebastião Brandão, artesão e mestre em viola de cocho de Ladário-MS. E também usaram uma viola de cocho, um ganzá e um mocho modelo Alcides Ribeiro, artesão de Santo Antônio do Leverger, Mato Grosso.










 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 13 de março de 2024

Lisa e o Diabo: literatura de ideias que rompe mordaças

 



Carente de romances, a literatura de Mato Grosso do Sul recebe de braços abertos, neste março escaldante em Corumbá, Lisa e o Diabo, uma corajosa obra de ficção com pitadas de Tarantino, Rubem Fonseca e poetas do rock como Bob Dylan e Renato Russo, que influenciam a escrita do autor, Wanderson Ligier. O livro foi lançado dia 9 de março na sede do Simted Corumbá.

Embora não tenha sido citado pelo autor no lançamento do livro, incluimos nesta lista de figurões o polêmico Paulo Coelho, autor de O Demônio e a Senhorita Prym (Editora Objetiva, 2000). Quem leu ambos vai perceber semelhanças que vão além do título.  No romance da virada do século, o demônio oferece barras de ouro e uma nova vida à senhorita Prym, depois de por à prova o caráter de moradores ilustres do pequeno povoado de Viscos, que o conhecem apenas como “o estrangeiro”.

Passados 24 anos, Wanderson Ligier dá passos bem à frente de Paulo Coelho ao nos oferecer uma releitura sobre o papel do diabo. Simplesmente desconstrói o conceito de demônio, que vem sendo apregoado desde a Idade Média, como aquele opressor que aparece subitamente para nos induzir ao pecado e nos impor limites (conceito  usado à exaustão nos dias atuais por fanáticos fundamentalistas que se julgam fracos e pecadores), e nos apresenta o diabo como alguém espiritualista e solidário com a dor dos oprimidos, aos quais oferece a chance da libertação.

Pode ser chamado de demônio, bruxo ou xamã, tanto faz, porque para este diabo o importante é ajudar pessoas a quebrar paradigmas, buscar a verdade e se livrar de maldições, usando como arma o conhecimento. Tanto que o primeiro presente que Lúcio, o diabo, dá a Lisa é o livro “Eu”, escrito pelo poeta Augusto dos Anjos em 1912 e que mantém viva a capacidade de provocar inquietações e debates até os dias de hoje. Em seu único livro, Augusto explora as temáticas da podridão, de decomposição e dos terrores noturnos.

“Toma um fósforo, acende teu cigarro!/O beijo, amigo, é a véspera do escarro/A mão que afaga é a mesma que apedreja/Se alguém causa inda pena a tua chaga/Apedreja essa mão vil que te afaga/Escarra nessa boca que te beija!” (Augusto dos Anjos, 1912)

Com a cabeça povoada por poemas transgressores e o poder de sedução do seu novo amigo Lúcio, a personagem dessa história vai percorrendo sua metamorfose até chegar ao clímax de conhecer a si mesma e verdades escondidas no pequeno povoado de São Simão, nas proximidades de Gravatá. O romance traz a rediscussão do papel da mulher submissa e oprimida pela família e sua luta para se tornar livre.

E assim o autor atinge o seu objetivo, que é de produzir uma “literatura de ideias”, que nos leva à reflexão, autocrítica e a ruptura de antigas mordaças impostas por uma sociedade conservadora e escravizante. E, para mais além, é justo o autor pretender usar esta literatura libertária e modernista para combater o avanço das ideias fascistas e nazifascistas que ainda infestam diferentes pontos das cidades.

Serviço: Lisa e Diabo, romance,  Wanderson Ligier, 153 páginas, R$ 40,00. Editora Autografia, Rio de Janeiro, 2023. Outros romances do autor: Elpídio Petra e O Apócrifo de Judas. Contato pelo whats: 67-996679777.





 

 

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