quarta-feira, 13 de março de 2024

Lisa e o Diabo: literatura de ideias que rompe mordaças

 



Carente de romances, a literatura de Mato Grosso do Sul recebe de braços abertos, neste março escaldante em Corumbá, Lisa e o Diabo, uma corajosa obra de ficção com pitadas de Tarantino, Rubem Fonseca e poetas do rock como Bob Dylan e Renato Russo, que influenciam a escrita do autor, Wanderson Ligier. O livro foi lançado dia 9 de março na sede do Simted Corumbá.

Embora não tenha sido citado pelo autor no lançamento do livro, incluimos nesta lista de figurões o polêmico Paulo Coelho, autor de O Demônio e a Senhorita Prym (Editora Objetiva, 2000). Quem leu ambos vai perceber semelhanças que vão além do título.  No romance da virada do século, o demônio oferece barras de ouro e uma nova vida à senhorita Prym, depois de por à prova o caráter de moradores ilustres do pequeno povoado de Viscos, que o conhecem apenas como “o estrangeiro”.

Passados 24 anos, Wanderson Ligier dá passos bem à frente de Paulo Coelho ao nos oferecer uma releitura sobre o papel do diabo. Simplesmente desconstrói o conceito de demônio, que vem sendo apregoado desde a Idade Média, como aquele opressor que aparece subitamente para nos induzir ao pecado e nos impor limites (conceito  usado à exaustão nos dias atuais por fanáticos fundamentalistas que se julgam fracos e pecadores), e nos apresenta o diabo como alguém espiritualista e solidário com a dor dos oprimidos, aos quais oferece a chance da libertação.

Pode ser chamado de demônio, bruxo ou xamã, tanto faz, porque para este diabo o importante é ajudar pessoas a quebrar paradigmas, buscar a verdade e se livrar de maldições, usando como arma o conhecimento. Tanto que o primeiro presente que Lúcio, o diabo, dá a Lisa é o livro “Eu”, escrito pelo poeta Augusto dos Anjos em 1912 e que mantém viva a capacidade de provocar inquietações e debates até os dias de hoje. Em seu único livro, Augusto explora as temáticas da podridão, de decomposição e dos terrores noturnos.

“Toma um fósforo, acende teu cigarro!/O beijo, amigo, é a véspera do escarro/A mão que afaga é a mesma que apedreja/Se alguém causa inda pena a tua chaga/Apedreja essa mão vil que te afaga/Escarra nessa boca que te beija!” (Augusto dos Anjos, 1912)

Com a cabeça povoada por poemas transgressores e o poder de sedução do seu novo amigo Lúcio, a personagem dessa história vai percorrendo sua metamorfose até chegar ao clímax de conhecer a si mesma e verdades escondidas no pequeno povoado de São Simão, nas proximidades de Gravatá. O romance traz a rediscussão do papel da mulher submissa e oprimida pela família e sua luta para se tornar livre.

E assim o autor atinge o seu objetivo, que é de produzir uma “literatura de ideias”, que nos leva à reflexão, autocrítica e a ruptura de antigas mordaças impostas por uma sociedade conservadora e escravizante. E, para mais além, é justo o autor pretender usar esta literatura libertária e modernista para combater o avanço das ideias fascistas e nazifascistas que ainda infestam diferentes pontos das cidades.

Serviço: Lisa e Diabo, romance,  Wanderson Ligier, 153 páginas, R$ 40,00. Editora Autografia, Rio de Janeiro, 2023. Outros romances do autor: Elpídio Petra e O Apócrifo de Judas. Contato pelo whats: 67-996679777.





 

 

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