Carente de romances, a
literatura de Mato Grosso do Sul recebe de braços abertos, neste março
escaldante em Corumbá, Lisa e o Diabo, uma corajosa obra de ficção com pitadas
de Tarantino, Rubem Fonseca e poetas do rock como Bob Dylan e Renato Russo, que
influenciam a escrita do autor, Wanderson Ligier. O livro foi lançado dia 9 de março na sede do Simted Corumbá.
Embora não tenha sido citado
pelo autor no lançamento do livro, incluimos nesta lista de figurões o polêmico
Paulo Coelho, autor de O Demônio e a Senhorita Prym (Editora Objetiva, 2000). Quem
leu ambos vai perceber semelhanças que vão além do título. No romance da virada do século, o demônio oferece barras de ouro e uma
nova vida à senhorita Prym, depois de por à prova o caráter de moradores ilustres
do pequeno povoado de Viscos, que o conhecem apenas como “o estrangeiro”.
Passados 24 anos, Wanderson
Ligier dá passos bem à frente de Paulo Coelho ao nos oferecer uma releitura
sobre o papel do diabo. Simplesmente desconstrói o conceito de demônio, que vem
sendo apregoado desde a Idade Média, como aquele opressor que aparece
subitamente para nos induzir ao pecado e nos impor limites (conceito usado à exaustão nos dias atuais por fanáticos fundamentalistas que se
julgam fracos e pecadores), e nos apresenta o diabo como alguém espiritualista
e solidário com a dor dos oprimidos, aos quais oferece a chance da libertação.
Pode ser chamado de demônio, bruxo ou xamã, tanto faz, porque para este diabo o importante é ajudar pessoas a
quebrar paradigmas, buscar a verdade e se livrar de maldições, usando como arma
o conhecimento. Tanto que o primeiro presente que Lúcio, o diabo, dá a Lisa é o
livro “Eu”, escrito pelo poeta Augusto dos Anjos em 1912 e que mantém viva a
capacidade de provocar inquietações e debates até os dias de hoje. Em seu único
livro, Augusto explora as temáticas da podridão, de decomposição e dos
terrores noturnos.
“Toma um fósforo, acende teu
cigarro!/O beijo, amigo, é a véspera do escarro/A mão que afaga é a mesma que
apedreja/Se alguém causa inda pena a tua chaga/Apedreja essa mão vil que te
afaga/Escarra nessa boca que te beija!” (Augusto dos Anjos, 1912)
Com a cabeça povoada por poemas transgressores e o poder de sedução do seu novo amigo Lúcio, a personagem dessa história vai
percorrendo sua metamorfose até chegar ao clímax de conhecer a si mesma e verdades
escondidas no pequeno povoado de São Simão, nas proximidades de Gravatá. O romance traz a rediscussão do papel da mulher submissa e oprimida pela família e sua luta
para se tornar livre.
E assim o autor atinge o seu
objetivo, que é de produzir uma “literatura de ideias”, que nos leva à
reflexão, autocrítica e a ruptura de antigas mordaças impostas por uma sociedade
conservadora e escravizante. E, para mais além, é justo o autor pretender usar
esta literatura libertária e modernista para combater o avanço das ideias
fascistas e nazifascistas que ainda infestam diferentes pontos das cidades.
Serviço: Lisa e Diabo, romance,
Wanderson Ligier, 153 páginas, R$ 40,00.
Editora Autografia, Rio de Janeiro, 2023. Outros romances do autor: Elpídio
Petra e O Apócrifo de Judas. Contato pelo whats: 67-996679777.
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